Damien Hirst é sem dúvida um dos nomes mais famosos da arte contemporânea. Contudo, muitos não são adeptos da sua forma de expressão artística, além de discutirem o modo como ele as cria. Isso seria apenas uma discussão sobre conceitos, se não houvesse acusações graves, como as feitas em 2024 sobre a data de criação de suas obras.
E se tratando do artista inglês, esse tipo de polêmica em sua carreira não é inédito. Por exemplo, nos anos 2000 ele contou com algumas acusações de plágio, a saber:
- Em 2000, o designer Norman Emms processou Damien Hirst pela escultura “Hymn”. Isso porque, ela nada mais era que uma reprodução do Young Scientist Anatomy Set, desenhado pelo próprio Emms e fabricado por Humbrol. O caso foi encerrado extrajudicialmente com o pagamento de valores para duas instituições de caridade, além de um pagamento ao autor original da obra;
- Já em 2007, o artista John LeKay, ex-amigo de Hirst, afirmou que a inspiração para muitas das obras de Hirst veio do catálogo da Carolina Biological Supply Company;
- Neste mesmo ano, LeKay afirmou que a obra “For the Love of God”, um crânio de platina incrustado de diamantes, era, na verdade, uma imitação da obra de 1993, “Spiritus Calidus”, dele próprio, que era um crânio de cristal.
E recentemente tivemos duas polêmicas que envolvem mentiras sobre a data de produção de obras. Entenda melhor cada um dos casos:
The Currency: série de 10 mil pinturas, supostamente de 2016, tem diversas obras feitas nos anos seguintes
Esta por si só já é uma série bastante polêmica, pois envolveu a criação de nada menos que 10 mil telas, cada uma composta por pontos coloridos pintados à mão em papel A4, como parte de um projeto chamado The Currency.
O primeiro ponto questionável da obra é que ela foi feita em uma espécie de linha de produção, com os artistas trabalhando até oito horas por dia, durante vários meses.
Eram estações de trabalho com mesas longas, espalhadas pelos estúdios de Hirst, com dezenas de páginas dispostas ao longo delas. Cada folha de papel contava com um holograma, marca d’água da cabeça de Hirst e um microponto. Os artistas se moviam cuidadosamente em torno de cada pintura, adicionando um ponto colorido a cada folha.
Inclusive, as condições de trabalho eram muito longe das ideais, como relataram artistas que trabalharam no projeto:
“Havia muitas folhas nessas mesas, e elas eram bem baixas, então você tinha que se abaixar constantemente para fazer os spots. Depois de um tempo, algumas pessoas estavam tendo lesões por esforço repetitivo.”
Na época, os advogados de Hirst e Science (sua empresa) disseram que sempre aderiram às regras e práticas relevantes de saúde e segurança.
A data e a história que Hirst vendeu
Como se já não fosse bastante questionável essa forma de produção de arte, o grande detalhe veio com o que Hirst disse quando anunciou a venda do projeto:
“Ele compreende 10.000 NFTs, cada um correspondendo a uma obra de arte física única feita em 2016.”
Só que, segundo o The Guardian, diversas fontes afirmaram que estas obras foram, na verdade, feitas entre os anos de 2018 e 19, com pelo menos 1000 feitas nestas datas.
Mesmo no dia da venda, o material promocional da Heni, empresa que fez o leilão, reforçou a questão da data:
“As obras de arte físicas foram criadas à mão em 2016 usando tinta esmalte em papel feito à mão. Cada obra de arte é numerada, intitulada, carimbada e assinada pelo artista no verso.”
E curiosamente, duas obras dentre as 10 mil, estavam com datas divergentes:
- “4778. It’s so heavenly”, datada de 2018;
- “1321. I kept going up”, incrivelmente datada de 2021, mesmo ano do leilão da série.
A explicação dos advogados de Damien Hirst sobre a questão
Questionados sobre a mentira da verdadeira data de criação das obras, quem respondeu os questionamentos foram os advogados de Hirst.
A explicação deles foi que ele que Hirst considerava “certo” de que obras de arte físicas em um projeto conceitual fossem datadas com o ano da concepção.
E sobre as duas com datas divergentes, eles alegam que são “anomalias” que foram “erroneamente datadas após mudanças posteriores na nomenclatura e no título das obras”.
A fraude dos animais em formaldeído “dos anos 90”
O escândalo em relação às pinturas veio no embalo de outro caso que talvez seja ainda mais grave, que envolve as obras de gosto duvidoso de Damien Hirst de animais em formaldeído. Três delas, datadas dos anos 90, na verdade foram feitas no ano de 2017. São elas:
- Cain e Abel, supostamente de 1994 – consistia em bezerros gêmeos que apareciam lado a lado em caixas brancas;
- Dove, supostamente de 1999 – apresentava um pássaro, asas estendidas como se estivesse voando, colocado em uma única caixa de acrílico cheia de líquido;
- Mito Explorado, Explicado, Explodido, supostamente de 1993-99 – um tubarão dissecado em três pedaços.
Apesar das datas atribuídas a elas, não se tem nenhuma menção à existência de obras antes de 2017. E fontes próximas ainda afirmaram que elas tinham menos de um ano quando apareceram pela primeira vez em Hong Kong.
Dove foi vendido logo depois da exposição, enquanto as outras duas passaram por diversas galerias dos EUA e Europa entre 2018 e 24, sempre exibidas com datas da década de 90.
Contudo, novamente o The Guardian descobriu que elas foram feitas pelos funcionários de Hirst em um workshop em Dudbridge, Gloucestershire, ainda em 2017.
Há ainda um agravante neste caso, pois fontes disseram ao periódico que a Science instruiu os funcionários a envelhecer artificialmente as esculturas, fazendo com que parecessem ter sido feitas na década de 1990.
Perguntados, advogados mantiveram o discurso
Ao ser questionado sobre a fraude, a Science e o próprio Hirst deixaram os advogados responderem. E a resposta foi a mesma que usariam futuramente:
“As obras de formaldeído são obras de arte conceituais e a data que Damien Hirst lhes atribui é a data da concepção da obra. Ele tem sido claro ao longo dos anos quando questionado sobre o que é importante na arte conceitual; não é a confecção física do objeto ou a renovação de suas partes, mas sim a intenção e a ideia por trás da obra de arte”.
Contudo, ainda havia a questão do envelhecimento artificial e neste caso a explicação foi:
“Elas foram feitas para parecerem mais velhas ou desgastadas, mas isso faz parte do processo artístico”.
Por fim, ainda disseram que:
“Negamos qualquer sugestão de que funcionários da Science tenham sido instruídos a ‘envelhecer fisicamente’ obras de arte, a fim de representar falsamente que as obras são mais antigas do que realmente são”.
Afinal, como os especialistas veem essas explicações?
O The Guardian fez questão de consultar vendedores de arte, galeristas, acadêmicos e casas de leilão para entender se essa explicação dada pelos advogados estava de acordo com as normas da indústria no mundo da arte.
E a resposta foi unânime: Não!
Eles explicaram que a data atribuída a uma obra de arte contemporânea normalmente denota o ano em que foi fisicamente criada, não o ano em que foi concebida.
Ainda fizeram questão de destacar que este caso não é como o que vemos em muitas obras, que são feitas ao longo de um período ou replicadas após uma edição inicial, por exemplo, os artistas costumam usar um hífen para incluir um intervalo de datas
Qual o impacto destes casos de Damien Hirst no mundo da arte?
A tendência para o próprio Hirst é que seja pouco. Isso porque ele conta com muitos fãs que apreciam suas criações e que certamente irão levar em conta as explicações dos advogados. Talvez haja um impacto em leilões de suas obras, mas considerando que ele é o artista inglês mais rico do mundo, não deve ser um problema.
Já para o mundo da arte, podemos ter um olhar mais atento a obras contemporâneas que possam ser vendidas como mais antigas, quando na verdade são mais novas. Ou seja, devemos ver menos fraudes por oportunistas.
Entretanto, como falamos de casos muito recentes, ainda é preciso aguardar para entender melhor o cenário daqui para frente. Afinal, trata-se de um dos mais renomados artistas contemporâneos, assim como um dos mais valiosos. E quando se envolve valores tão altos, algum impacto se tem, seja para especialistas, seja para quem investe nestas obras.
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Autoria: Departamento de Pesquisa e Cultura ABRA