Dentre os principais designers da história brasileira, certamente podemos colocar os Irmãos Campana. A dupla trouxe uma proposta revolucionária de criação, sendo que eles o fazem tanto de forma comercial, como uma forma de arte conceitual. Hoje falaremos um pouco mais deles e sua importante contribuição para o design de objetos do Brasil e do mundo.
Irmãos Campana e o início por acaso
Ao contrário do que muitos podem imaginar, eles não são gêmeos, mas sim têm uma boa diferença de idade. O mais velho, Humberto Campana, é de 1953 e o mais novo, Fernando, é de 1961. Ambos são de Brotas, no interior de São Paulo. Eles seguiram por caminhos diferentes no início, mas desde cedo mostravam aptidão com trabalhos manuais.
Isso porque ambos tinham quando criança o costume de criar seus próprios brinquedos e casas na árvore. Posteriormente, o irmão mais velho foi fazer faculdade de direito (formando-se em 1977) e até mesmo chegou a trabalhar em escritórios de advocacia. Ele se mudou para Bahia e foi durante o período morando lá, que descobriu a inclinação para o design.
Inicialmente ele começou a criar espelhos de conchas, que ele pegava em Ilhéus. Considerando que o trabalho era bem feito, ele decide voltar para São Paulo e se aprofundar no assunto. Logo após chegar da Bahia, ele frequentou cursos livres de escultura em metal e argila, na Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), e de joalheria, com o joalheiro Renato Camargo.
Enquanto isso, Fernando graduou-se em arquitetura na Faculdade de Belas Artes, no ano de 1984. Primeiramente o trabalho em conjunto deles começou por Humberto chamar o irmão para fazer algumas entregas de pedidos de Natal.
O que começou como um pequeno trabalho, foi durando, até virar a parceria que conhecemos hoje. Segundo Humberto, o irmão mais novo Fernando dá funcionalidade para suas criações.
A primeira coleção de móveis e a projeção internacional
Com o trabalho em conjunto, logo eles apresentaram sua primeira coleção de móveis, em 1989. Foi uma exposição organizada pela empresa A Arquitetura da Luz, em São Paulo. Contudo, engana-se quem pensa que eram sobre móveis funcionais (a tendência da época, sobre forte influência do Bauhaus).
O nome da exposição era “Desconfortáveis” e ela era muito mais conceitual, pois ela trazia um mobiliário que não era para uso, mas uma espécie de contraposição ao funcionalismo em voga. Neste mesmo ano eles fundaram o Estúdio Campana e não demorou muito a ganharem projeção internacional, até mesmo antes de se popularizarem no Brasil.
Cadeiras positivo e negativo da exposição “Desconfortáveis”
O primeiro momento deles foi em 1993, quando tiveram uma matéria publicada na revista “Domus”, falando justamente sobre a exposição Desconfortáveis. Porém, foi na metade dos anos 90 que a carreira da dupla deslanchou. Começou em 1996, quando eles tiveram uma exposição individual no Palazzo Reale, em Milão. Neste mesmo ano participaram da exposição coletiva Brasil Faz Design, no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo.
Um ano depois, os Irmão Campana têm peças incluídas nas publicações “Design Year Book” e nas edições organizadas pelo historiador americano de design Mel Byars, chamadas “50 Chairs and 50 Tables”.
A projeção internacional só crescia e ainda em 97 foram selecionados pelo designer francês Philippe Starck para a mostra Design Der Zukunft, no Folk Museum, em Bremen, Alemanha. Por fim, lançaram no Salão do Móvel de Milão a luminária Estrela, produzida para a Oluce, empresa italiana de iluminação.
A cadeira vermelha e os trabalhos comerciais dos Irmãos Campana
O ano de 1998 marcou a exposição deles no MoMa, em que eles apresentaram uma retrospectiva, sob curadoria de Paola Antonelli. Desde então, o Museu de Arte Moderna de Nova York tem em seu acervo a “Cadeira Vermelha”, que para os próprios Irmão Campana, é uma de suas obras mais importantes, como eles disseram em uma entrevista para a Exame:
“Ela foi um clássico do design feito de 300 metros de corda trançados manualmente, e que é até hoje a nossa peça mais famosa. Foi essa criação que nos deslanchou como designers.”
Cadeira Vermelha, obra presente no MoMa
A partir de 1998 e até 2000, eles passam por uma experiência como professores. Primeiramente em 1998, ambos dão aula no curso de desenho industrial na FAAP. Já entre 99 e 2000 são professores no MUBE (Museu Brasileiro de Escultura). Pois foi ainda no ano de 98 que eles assinaram uma parceria profissional com a italiana Edra, que dura até hoje.
Já o ano de 1999 marca uma mudança também nas criações dos Irmãos Campana, pois passam a dar mais atenção às discussões formais do próprio design. Ou seja, preocupam-se com a funcionalidade, com o conforto do usuário e a produção em escala industrial para baratear os produtos. Mas essa nova fase da carreira, não tira a arte conceitual de design, marca da dupla desde o início.
Desde então eles fizeram trabalhos para outras marcas, mesmo fora da área de móveis. Por exemplo: eles chegaram a fazer uma parceria com a Melissa, para o lançamento de uma marca de sandálias. A relação com a área da moda seguiu com parcerias com a Lacoste, Louis Vuitton e até a decoração da São Paulo Fashion Week de 2013.
Coleção Zig Zag de Melissa
O conceito do trabalho dos Irmãos Campana
Como vocês viram, muitas das criações deles não são do tipo comercial. Estas são conhecidas como “design-arte”. No caso dos Irmãos Campana, a principal característica de seu trabalho é a ressignificação de objetos. Ou seja, eles utilizam a forma de expressão e a liberdade de criação para transformarem elementos diversos em peças de mobiliário.
Temos vários destes exemplos, como a “poltrona banquete”, feita com bichinhos de pelúcia ou a “cadeira multidão”, feita com bonequinhos de pano. Acima de tudo, eles gostam de ressaltar o caráter artesanal das obras, como forma de valorizar esse tipo de criação no âmbito nacional.
Prova disso, foi que em 2009 eles criaram o Instituto Campana. Para além de manter e divulgar o patrimônio artístico da dupla, ele também tem como função assegurar a conservação e sobrevivência de técnicas artesanais brasileiras.
Em 2020, eles fizeram uma exposição no MAM-RJ, chamada “35 Revoluções”. Entretanto, ela abriu no dia 14 e fechou um dia depois, por conta da pandemia. Atualmente, o projeto mais recente deles foram os pufes merengue, para a Louis Vuitton durante a Semana de Design de Milão, que ocorreu em junho de 2022.