Carnaval, para além da festa popular feita através dos blocos país afora, da manifestação cultural, também tem nos desfiles das escolas de samba um grande evento artístico. Ainda que até hoje, obras carnavalescas sejam muito poucas em museus e grandes instituições, foi graças a Hélio Oiticica, que se começou a quebrar esse preconceito.
Sua relação muito próxima com a Estação Primeira de Mangueira, tanto foi importante para a própria agremiação, como para ele, pois sua arte mudou sensivelmente a partir do momento que começou a frequentar o barracão da escola de samba.
A infância e o começo tardio nos estudos de Hélio Oiticica
O artista nasceu em 1937, mas sua infância não foi frequentando escola. Isso porque, por opção familiar, preferiram educá-lo em casa. Até por conta disso, seu avô José Oiticica, filólogo e anarquista, tem grande influência em sua formação, especialmente porque ao longo de toda carreira ele sempre mostrou um caráter questionador e que buscava mudar paradigmas.
Ele veio a ter educação formal apenas aos 10 anos, quando seu pai, o fotógrafo e docente da Faculdade de Medicina e do Museu Nacional da Universidade do Brasil, José Oiticica Filho, ganha bolsa da Fundação Guggenheim e a família se transfere para Washington D.C.
A volta para o Brasil e o início nas artes
Ele fica sete anos por lá e quando volta para o Brasil em 1954 inicia os estudos de pintura com Ivan Serpa, no MAM/RJ. Temos aqui outro importante momento na formação de Hélio Oiticica, pois estas aulas proporcionam a ele o contato com materiais variados e liberdade de criação. Juntamente com isso ele passa a integrar o “Grupo Frente”, coletivo construtivista que integrava artistas importantes como o próprio Ivan Serpa, Lygia Clark e Lygia Pape.
Um fato interessante é que a partir do momento que começa a estudar pintura, ele também passa a escrever sobre artes plásticas. Pois é a partir daqui que o registro escrito de reflexões sobre arte e sua produção torna-se um hábito e algo que veremos em muitos momentos, quando ele busca destacar a importância de determinadas criações.
Seus primeiros trabalhos datam de 1957, mas o nome pelos quais ficaram conhecidos (Metaesquemas) veio apenas em 1970. Tratam-se de uma série de composições em que o artista cria formas geométricas com guache em papel cartão. Estas obras têm forte influência de artistas modernos, como o Wassily Kandinsky, que explica-se também pelo fato de que o russo já era bastante conhecido nos EUA, quando Hélio esteve lá.
Mesmo sendo artes bidimensionais, já tínhamos aqui mostras da intenção dele de fazer a obra “sair do papel”. Inclusive temos aqui sua primeira reflexão sobre suas obras, pois ele explica que essas pinturas geométricas são importantes por já apresentar o conflito entre o espaço pictórico e o espaço extra-pictórico, prenunciando a posterior superação do quadro.
As primeiras obras tridimensionais de Hélio Oiticica
Era apenas questão de tempo até que ele trouxesse suas primeiras esculturas e isso veio apenas dois anos depois. Foi em 1959 que ele passa a construir objetos coloridos que são suspensos por fios invisíveis no espaço, trazendo essas formas, antes bidimensionais, para o ambiente tridimensional.
São vários trabalhos, que integram as séries de “Bilaterais” e de “Relevos Espaciais”. Para fazê-los ele utiliza chapas monocromáticas pintadas com têmpera ou óleo e suspensas por fios de nylon. Ele traz como conceito para essa criação a ideia de tornar possível a percepção de que a cor “vibra” no mesmo ambiente em que o espectador habita enquanto observa de perto as esculturas que flutuam.
Sua experimentação com o tridimensional ganha um novo capítulo com o “Grande Núcleo”. Aqui temos grandes placas de madeira pintadas com cores quentes penduradas no teto por fios de nylon. Agora, uma parte importante da obra é a interação do espectador, que deve andar por dentro da obra, para assim poder ter uma experiência completa.
Neste mesmo período, temos também a criação do “Penetráveis”, que busca tornar a experiência do espectador não apenas contemplativa, mas relacional. São cabines de madeira pintadas com cores vivas e que a pessoa deve adentrá-la. A ideia de Hélio Oiticica aqui é que o espectador possa vivenciar a cor.
Só que com os bólides, ele foi além, trazendo estruturas que deveriam ser manuseadas. Elas eram recipientes feitos de madeira, vidro ou sacos que possuem compartimentos e carregam vários elementos, como areia, pigmentos, tecidos, terra, água e carvão. Ele queria que as pessoas pudessem manipulá-las e aguçar outros sentidos como tato, olfato, além da visão.
A ida na Estação Primeira de Mangueira
Foi em 1963 que tivemos uma verdadeira reviravolta na carreira de Hélio Oiticica. Pois foi quando ele chegou à Mangueira, levado pelo artista Jackson Ribeiro para auxiliar o escultor mineiro Amilcar de Castro, seu companheiro dos grupos Frente e Neoconcreto, que trabalhava em alegorias para o carnaval de 1964.
O enredo daquele ano era “Histórias de um preto velho”, proposto pelo carnavalesco Júlio Mattos. Entretanto, não há registros documentais de qual foi de fato sua contribuição para o carnaval da Mangueira. Por outro lado, fica muito evidente o quanto essa participação no Carnaval mudou a vida de Hélio Oiticica. Quem explicou sobre isso foi a amiga de Hélio, Lygia Pape para a Revista Caju.
Segundo ela, dois momentos foram fundamentais na mudança que vimos em seus trabalhos dali em diante: a morte de seu pai e a paixão pelo samba. Tanto que a despedida do pai coincide com a transformação de Hélio em passista da verde-e-rosa. Tanto que para ela, foi um momento em que o artista conseguiu viver de maneira mais plena sua sexualidade e estabelecer uma relação mais ampla com a cidade.
A partir daquele momento, o que se viu nas obras do artista foi a inclusão do corpo, da libido e de certa pulsão caótica e bacante em seus trabalhos. Tanto que foi justamente neste ano que surgem os parangolés, uma obra que ultrapassou os limites da arte carnavalesca, tornando-se para muitos uma obra de arte do modernismo.
A criação dos parangolés e tentativa de juntar o carnaval com a arte tradicional
Temos aqui uma das obras mais importantes de Hélio Oiticica, os parangolés. Foi quando ele conseguiu a sinergia perfeita entre a questão da arte e da interação do público, pois são tendas, estandartes, bandeiras e capas de vestir.
Ou seja, naquele momento a pessoa deixa apenas de contemplar a arte, mas faz parte dela a partir do momento que veste o parangolé. Até porque a obra precisa da vida e do movimento para existir em sua plenitude.
Posteriormente, ele tenta levar esse seu novo entendimento e ressaltar a importância das escolas de samba e outras manifestações da cultura popular, como responsáveis por uma percepção, pelo circuito contemporâneo, de que a arte poderia ser coletiva e “total”, na exposição Opinião 65.
Sua ideia era a de que a Mangueira entrasse no museu tocando, sambando e interagindo com os trabalhos exibidos no salão. Para isso, ele convidou passistas e ritmistas da escola, mas a direção do Museu não permitiu a entrada deles no recinto. Isso enfureceu Hélio Oiticica, que protestou e acabou expulso do MAM-RJ.
Acabou que o efeito não foi o esperado, pois ele realiza uma manifestação coletiva em frente ao museu. Nela, os Parangolés são vestidos pelos amigos sambistas.
A Tropicália
As questões levantadas com os parangolés, assim como o ocorrido no MAM-RJ em 1965 seguiram norteando outras manifestações artísticas do artista. Temos então uma nova exposição realizada no museu, chamada “Nova Objetividade brasileira” e nela, o próprio Hélio escreveu um ensaio para o catálogo da exposição, em que traz a seguinte análise:
“Ferreira Gullar assinalara já, certa vez, o sentido de arte total que possuiriam as escolas de samba, onde a dança o ritmo e a música vêm indissoluvelmente da exuberância visual da cor, das vestimentas etc. Não seria estranho, então, levarmos isso em conta, que os artistas em geral, ao procurar a chegada desse processo uma solução coletiva para as suas proposições, descobrissem (…) as manifestações populares, das quais o Brasil possui um enorme acervo, de uma riqueza expressiva inigualável”.
Foi nesta mesma exposição que ele apresentou sua obra “Tropicália”. Trata-se de uma espécie de labirinto sem teto que remete à arquitetura das favelas e em seu interior apresenta um aparelho de TV sempre ligado. Nela era é possível vivenciar uma experiência labiríntica tendo contato com elementos naturais, como pedras, água, plantas tropicais, textos e músicas.
O termo acabou sendo usado por Caetano Veloso no título de uma de suas canções. Posteriormente sendo o início de vários desdobramentos na música que originaram o tropicalismo.
As exposições fora do país
Hélio então faz aquela que ele considerou a maior de sua vida: O Projeto Éden. Este era composto de Tendas, Bólides e Parangolés como proposições abertas para a participação e vivências individuais e coletivas. Ele a apresenta em Londres, no ano de 1969, na Whitechapel Gallery, tanto que ganhou o apelido de “Whitechapel Experience”.
Um ano depois, nos EUA na exposição Information realizada no MoMA em Nova York, Oiticica desenvolve a ideia dos Ninhos. A obra era uma instalação composta de várias cabines que se conectam, transmitindo a ideia de multiplicidade e crescimento, como se fossem células em desenvolvimento.
Neste mesmo ano, ele ganha uma bolsa para fazer residência artística em Nova York pela Fundação Guggenheim. Ele fica no país por oito anos quando chega até a fazer projetos de filmes, chamados Cosmococa – programa in progress, além de muitos outros penetráveis.
De volta ao Brasil, ele realiza algumas manifestações artísticas como a “mitos vadios”, que eram performances feitas nas ruas de São Paulo. Ele organiza o acontecimento poético-urbano Caju-Kleemania em 1978 e no ano de sua morte, em 1980, propõe o segundo acontecimento poético-urbano, Esquenta pr’o Carnaval, no Morro da Mangueira. Ele falece vítima de um AVC aos 42 anos.
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Autoria: Departamento de Pesquisa e Cultura ABRA