Anita Malfatti e Monteiro Lobato: a desavença que resultou na semana de 22 Academia Brasileira de Arte -

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Não há dúvidas que a Semana de Arte Moderna de 22 foi o primeiro grande evento artístico brasileiro. Além disso, nos levou também ao primeiro grande movimento artístico brasileiro, o modernismo. Entretanto, o que talvez muitos não saibam é o grande estopim para chegarmos a ele foi a desavença entre Anita Malfatti e Monteiro Lobato. Isso graças a “Paranoia ou mistificação”, forma como ficou conhecida a famosa coluna do autor do Sítio do Pica-Pau Amarelo.

A carta aberta que ele fez em 1917 no Estado de São Paulo atacava de uma forma bastante dura a exposição que a artista havia lançado. Neste artigo explicaremos um pouco mais do contexto em que tudo isso ocorreu e como a coluna mais famosa (e infeliz) da nossa história, nos levou a um movimento que mudou para sempre a arte brasileira.

Paranoia ou mistificação: entendendo o contexto histórico 

Para começar é importante nos situarmos sobre a situação do país em 1917. Tínhamos uma república muito jovem (22 anos apenas) e que ainda vivia sob forte influência da elite que se consolidou durante o império. Esta elite tinha como referência de arte e do que era considerado “belo”, artistas clássicos europeus, especialmente os renascentistas e barrocos.

Ou seja, a arte apreciada por aqui era aquela que buscava representar da forma mais fiel possível aquilo que era retratado. Movimentos de vanguarda que estavam ganhando cada vez mais força na Europa e até mesmo nos EUA, ainda eram algo pouco familiar para muitos.

O agravante é que aqueles que tinham algum conhecimento do que acontecia por lá (como o próprio Monteiro Lobato), viam esses movimentos com grande preconceito. Isso porque o abandono da mimesis aristotélica, ou seja, da negação da necessidade de representação fiel da realidade nas artes visuais era inaceitável para eles.

Anita Malfatti tentou de fato chocar a elite com sua exposição? 

Pode-se imaginar que a crítica presente em “Paranoia ou Mistificação” se deu por conta de uma intenção prévia da jovem artista em causar polêmica com suas obras. No entanto, a verdadeira ideia de Anita com sua exposição era muito mais didática. Ela desejava na verdade apresentar um novo tipo de representação artística à elite em 1917.

Isso explica-se de forma muito simples: Anita Malfatti tinha diversos esboços de homens nus ou semi nus. Ou seja, se ela quisesse polemizar, poderia ter feito uma exposição trazendo-os para a conservadora São Paulo de 1917.

Exemplo de nu masculino de Anita Malfatti

Sua viagem para Berlim e para os Estados Unidos eram incomuns para quem ia para o exterior estudar arte, pois estes geralmente iam para Itália ou França. Ela teve contato com diversas correntes artísticas durante esse período. Contudo, na exposição suas obras carregavam forte influência do expressionismo.

A “Exposição de Pintura Moderna” (nome do evento) contou com um total de 53 obras e ocorreu na Libero Badaró, em São Paulo. Pode-se dizer que a recepção inicial foi bastante satisfatória, pois ela na noite de estreia conseguiu vender um total de oito obras. Contudo, tudo veio abaixo após a coluna “Paranóia ou Mistificação” de Monteiro Lobato.

O que dizia a coluna Paranoia ou Mistificação de Monteiro Lobato? 

Primeiramente é preciso pontuar que este foi o nome pelo qual ela ficou conhecida, mas não é o nome pelo qual ela foi publicada. Originalmente seu título era “A propósito da exposição Malfatti” e podemos dizer que ele atirou para todo lado, já que ninguém passou impune de suas palavras ferinas.

Ataque a artistas em geral 

Começamos pela forma como ele tratava a nova geração de artistas. Segundo ele, havia dois tipos, sendo a primeira “composta dos que veem normalmente as coisas e em consequência disso fazem arte pura, guardando os eternos ritmos da vida, e adotados para a concretização das emoções estéticas, os processos clássicos dos grandes mestres.” Inclusive ele cita vários mestres como Rafael Sanzio, Rembrandt, Rodin, etc.

Já a segunda “formada pelos que veem anormalmente a natureza, e interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva”. Lobato ainda diz que eles são “Estrelas cadentes, brilham um instante, as mais das vezes com a luz de escândalo, e somem-se logo nas trevas do esquecimento”.

Ataque a movimento artísticos e imprensa 

Vemos a seguir o trecho que mais ganhou fama, quando ele fala dos novos movimentos artísticos. Entre muitos adjetivos pouco elogiosos ele os chama de “arte anormal” e que nasceram “com a paranoia e com a mistificação”. Monteiro Lobato ainda fala que este tipo de desenho ornam as paredes de manicômios, sendo alvo de estudo de psiquiatras já há muito tempo.

Em tom de deboche ainda diz “A única diferença reside em que nos manicômios esta arte é sincera, produto ilógico de cérebros transtornados pelas mais estranhas psicoses; e fora deles, nas exposições públicas, zabumbadas pela imprensa e absorvidas por americanos malucos, não há sinceridade nenhuma, nem nenhuma lógica, sendo mistificação pura”.

Ele fala sobre os movimentos artísticos clássicos, exaltando suas qualidades e beleza que decorrem do sentir. Por outro lado, quando cita artes “cúbicas ou futuristas” diz que para sentí-las é preciso que “a harmonia do universo sofra completa alteração, ou que o nosso cérebro esteja em ‘pane’ por virtude de alguma grave lesão.”

Já para a imprensa especializada, ele reserva um trecho especial. Nele fala que “teorizam aquilo com grande dispêndio de palavrório técnico, descobrem nas telas intenções e subintenções inacessíveis ao vulgo, justificam-nas com a independência de interpretação do artista e concluem que o público é uma cavalgadura e eles, os entendidos, um pugilo genial de iniciados da Estética Oculta”.

E ainda trata as arte modernas como caricaturas de mau gosto. Sua explicação é: “Sejamos sinceros: futurismo, cubismo, impressionismo e tutti quanti não passam de ouros tantos ramos da arte caricatural. É extensão da caricatura a regiões onde não havia até agora penetrado. Caricatura da cor, caricatura da forma – caricatura que não visa, como a primitiva, ressaltar uma ideia cômica, mas sim desnortear, aparvalhar o espectador.”

Ataques a Anita Malfatti 

Obra “O Japonês”, de 1915

Por fim chegamos as palavras direcionadas a Anita Malfatti. Interessante observar que ele chega a ser até elogioso com ela. Por exemplo ao dizer que “Essa artista possui talento vigoroso, fora do comum. Poucas vezes, através de uma obra torcida para a má direção, se notam tantas e tão preciosas qualidades latentes”.

Ainda diz que “Percebe-se de qualquer daqueles quadrinhos como a sua autora é independente, como é original, como é inventiva, em que alto grau possui um sem-número de qualidades inatas e adquiridas das mais fecundas para construir uma sólida individualidade artística”.

Só que mesmo nestes elogios, já se nota a crítica pela “obra em má direção” e o pouco caso ao chamar as pinturas de Anita Malfatti de “qualquer daqueles quadrinhos”.

As críticas pesam ao dizer que a “A fisionomia de que sai de uma destas exposições é das mais sugestivas. Nenhuma impressão de prazer, ou de beleza denuncia as caras; em todas, porém, se lê o desapontamento de quem está incerto, duvidoso de si próprio e dos outros, incapaz de racionar, e muito desconfiado de que o mistificam habilmente”.

Há diversos ataques a Bolynson, artista cubista estadunidense. Apesar de não ser diretamente sobre ela, ao falar que “ou é um gênio o Sr. Bolynson e ficam riscados desta classificação, como insignes cavalgaduras, a corte inteira dos mestres imortais, de Leonardo a Steves, de Velásques a Sorolla, de Rembrandt a Whistler, ou… vice-versa”, enviesava a análise de quem visse as obras de Anita, que tinham referência a sua arte.

Machismo com Anita e outras artistas mulheres

A Estudante Russa, de 1915

Para o contexto da época, um machismo acentuado era algo infelizmente normal. Só que ao mesmo tempo em que ele o fazia, ainda sentia fazer um favor a ela ao ser sincero sobre suas obras.

Para começar, ele cita que “Os homens têm o vezo de não tomar a sério as mulheres. Essa é a razão de lhes derem sempre amabilidades quando elas pedem opinião. Tal cavalheirismo é falso, e sobre falso, nocivo. Quantos talentos de primeira água se não transviaram arrastados por maus caminhos pelo elogio incondicional e mentiroso?”

Tenta “elogiá-la” menosprezando outras artistas mulheres ao dizer que “E tivéssemos na Sra. Malfatti apenas uma ‘moça que pinta’, como há centenas por aí, sem denunciar centelhas de talento, calar-nos-íamos, ou talvez lhe déssemos meia dúzia desses adjetivos “bombons” que a crítica açucarada tem sempre à mão em se tratando de moças.”

Para complementar, temos dois trechos que merecem citação: quando Monteiro diz que “Não fosse a profunda simpatia que nos inspira o formoso talento da Sra. Malfatti, e não viríamos aqui com esta série de considerações desagradáveis”, como se fizesse um favor de supostamente salvar o talento dela.

O segundo é o final, em que diz que “Julgamo-la, porém, merecedora da alta homenagem que é tomar a sério o seu talento dando a respeito da sua arte uma opinião sinceríssima, e valiosa pelo fato deser o reflexo da opinião do público sensato, dos críticos, dos amadores, dos artistas seus colegas e… dos seus apologistas”.

Reflexos de “Paraonoia ou Mistificação” para Anita Malfatti 

Não há um consenso sobre todos os impactos em suas criações, mas alguns são bem claros. Como ela mesmo explicou, cinco das oito obras foram devolvidas após a crítica. Além disso, um amigo de casa tentou destruir uma de suas obras, tal foi o ódio gerado.

Ela ficou um ano sem pintar por conta daquilo e depois não se viu mais presente o estilo expressionista em suas obras. Entretanto, isso não parece ter relação direta com a coluna, mas sim com uma preferência artística dela.

Isso porque já fazia tempo que, após estudar no exterior, Anita ansiava por treinar técnicas de pintura realista, ou naturalista. Ela adorava a vanguarda europeia e americana, mas também procurava explorar outros formatos. Alguns também acreditam que por críticas de sua própria família ela tenha mudado, mas de fato, tivemos uma mudança considerável ao longo de sua carreira.

O estopim para a Semana de Arte Moderna de 22 

As duras críticas a arte e a própria Anita, fez com que ela se aproximasse daqueles com quem ela formaria “o grupo dos cinco”: Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Tarsila do Amaral e Menotti del Picchia. Eles saíram em defesa dela, assim como da arte moderna e esse movimento de aproximação, possibilitou que os diálogos sobre arte avançassem por aqui.

Junto a uma elite aristocrática que viria a apoiar o movimento, as discussões progrediram até chegarmos em um movimento que de fato veio com o intuito de chocar, que foi a Semana de Arte Moderna de 22. Inclusive inicialmente Anita não queria participar dele, mas acabou convencida por Oswaldo e Mário de Andrade e levou 20 de suas obras para serem expostas no evento.

O Homem Amarelo, de 1915. Assim como O Japonês e A Estudante Russa, estiveram tanto na exposição de 17, como em 22

A reação negativa de Paranoia ou Mistificação teve sua importância em aproximar pessoas, artistas, críticos e outros nomes que se tornaram importantes no modernismo, já que até então podemos dizer que estes ainda estavam mais dispersos. Graças a isso, eles conseguiram tirar São Paulo (e o Brasil) de um conservadorismo que ainda estava muito arraigado nas artes.

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