A presença da IA em criações artísticas deixou de ser uma discussão sobre se, mas sim como. Hoje, ela já está integrada tanto no processo criativo quanto na etapa de refinamento e, em alguns casos, até na execução do projeto (este último sendo o ponto mais polêmico da discussão).
O principal tema atualmente é entender como essa integração com a arte tradicional pode ser feita sem ferir princípios éticos. Essa discussão é fundamental, pois ainda vivemos um verdadeiro “vale-tudo”, em que direitos autorais seguem sendo desrespeitados, principalmente no treinamento das IAs.
Vamos tentar entender um pouco mais o cenário atual, o rápido avanço das inteligências artificiais, como as pessoas estão fazendo uso delas e quais são as discussões em torno da preservação dos direitos dos artistas.
Uma breve linha do tempo sobre o uso de IA nas artes
Primeiramente, é interessante esclarecer que programas que poderiam ser considerados como um uso rudimentar de IA (como editores de imagem) na verdade não podem ser classificados dessa forma.
Isso porque eles operavam com base em algoritmos fixos, estatísticos e matemáticos. Ou seja, não havia o chamado machine learning (aprendizado da máquina) a cada aplicação.
Os estudos sobre inteligência artificial são mais antigos do que muitos imaginam. Eles começaram nos anos 1950, com Alan Turing propondo um experimento para verificar se um computador seria capaz de demonstrar inteligência comparável à de um ser humano.
Este é considerado o primeiro pensamento estruturado e uma das primeiras experiências sobre o que, mais tarde, viria a ser conhecido como inteligência artificial. Posteriormente, tivemos avanços em diversas áreas até chegarmos ao trabalho de Harold Cohen com o AARON.
A primeira IA artística: o projeto AARON
O artista e programador Harold Cohen foi o responsável por uma das primeiras imagens geradas por IA, por meio de seu programa AARON. Ele começou a desenvolver o projeto no final dos anos 1960, com os primeiros resultados surgindo a partir de 1973. Cohen treinou a IA para pintar e desenhar ao seu estilo, equipando o sistema com conhecimentos básicos de física e desenho.
Um ponto interessante é que o AARON funcionava de forma diferente das IAs atuais: enquanto hoje as inteligências artificiais dependem de grandes bancos de dados para aprender a desenhar, o programa de Cohen criava com base apenas nas regras e no conhecimento que ele mesmo codificava.
Para entender a diferença:
- Atualmente, as IAs usam aprendizagem profunda e redes neurais para criar imagens;
- Por outro lado, o AARON usava regras e algoritmos programados manualmente por Cohen, que levou tempo e esforço para estabelecer cada um desses parâmetros.
Seria como se Cohen estivesse ensinando um robô a desenhar do zero, em vez de alimentá-lo com milhares de exemplos para copiar. Essas bases que ele criou foram fundamentais para o desenvolvimento das inteligências artificiais que utilizamos hoje nas expressões artísticas.
O uso da IA nas artes atualmente
Todo esse caminho ao longo das décadas nos possibilitou chegar ao boom das IAs generativas na década de 2020. Focando apenas nas artes, hoje elas possibilitam:
- O uso como auxílio na criação dentro do design gráfico;
- A aplicação em efeitos visuais para filmes e na restauração de obras antigas;
- O desenvolvimento de artes interativas, em que a IA reage de acordo com a interação do público;
- A viabilização de criações por pessoas com deficiências motoras severas, que podem produzir arte apenas por meio de comandos ou indicações;
- E as polêmicas IAs capazes de criar obras a partir de referências de diversos artistas presentes em seus bancos de dados, ou mesmo adaptar fotos ao estilo de grandes nomes da história da arte.
Como podemos ver, a IA não apenas pode criar uma obra do zero (o uso mais conhecido pelo grande público), mas também pode ser uma importante aliada para pessoas que não dispõem de muitos recursos para produzir, por exemplo, curtas animados ou até filmes caseiros.
Além disso, ela também pode ser uma valiosa ferramenta de acessibilidade, permitindo que qualquer pessoa consiga criar, desde que tenha uma boa ideia em mente.
Contudo, ainda existem questões que precisam ser discutidas sobre a IA nas artes.
Os dilemas éticos envolvendo a inteligência artificial nas artes
Como falamos de uma tecnologia relativamente nova, que ainda passa por intensos debates sobre os limites de emprego e a forma como os dados são fornecidos para o seu treinamento, ainda não existe uma regulamentação definitiva.
Mesmo assim, alguns dos principais problemas éticos já estão bem estabelecidos:
- Como proteger artistas (principalmente os pequenos) para que suas obras não sejam copiadas indiscriminadamente, sem que recebam qualquer tipo de reconhecimento ou remuneração?
- Como compensar aqueles que já tiveram suas criações apropriadas por IAs generativas, muitas vezes sem autorização ou crédito?
- De que forma regulamentar o treinamento dessas IAs, um processo que atualmente ainda é pouco transparente para governos, agências de regulação e para o próprio público?
Em uma época em que há um forte combate à pirataria por parte de diversas potências mundiais, o mesmo tipo de atenção precisa ser direcionado às IAs generativas — especialmente pelo potencial de impacto negativo que elas podem causar aos artistas de menor projeção.
As críticas de especialistas sobre o uso de IAs na criação artística
Parte das críticas sobre a utilização de IA nas artes vem muito mais de uma perspectiva sobre os rumos da arte por parte de especialistas e artistas.
O motivo é que essas pessoas veem a presença da inteligência artificial nas artes como um possível prenúncio de uma “era de pobreza artística”. Segundo eles, os principais problemas seriam:
- Uma padronização das criações, já que muitas pessoas usam as mesmas referências ou fontes de inspiração baseadas nos datasets das IAs;
- Uma dependência excessiva da inteligência artificial, o que poderia reduzir a capacidade criativa individual;
- A perda de técnicas manuais de desenho e pintura, por conta da crescente adoção de ferramentas digitais.
A preocupação é válida, mas ao mesmo tempo ainda estamos no campo da especulação. Por outro lado, o uso da IA pode ampliar as possibilidades de experimentação para os artistas, evitando, por exemplo, desperdício de materiais — algo especialmente importante para quem está começando.
Aqui na ABRA, acreditamos que o uso da IA nas artes já é uma realidade com a qual devemos trabalhar. Em vez de tratá-la como uma rival ou inimiga, vemos nela uma aliada. Afinal, quando utilizada de forma ética e responsável, a IA pode expandir de maneira significativa as possibilidades criativas dos artistas.
Acompanharemos a evolução do uso da inteligência artificial nas criações artísticas e torcendo para que se encontre um equilíbrio, no qual ela possa ser usada sem prejuízos para todos aqueles que constroem suas obras diariamente mundo afora.
Autoria: Departamento de Pesquisa e Cultura ABRA