A popularização do mangá no Brasil e no mundo trouxe, ao longo do tempo, uma coisa que muitas pessoas desconheciam: publicações para todas as categorias de público. Dentro dessa variedade, que abrange obras para crianças, jovens e adultos, entre outros, temos também mangás voltados para o público LGBTQIA+: o yaoi e o yuri.
Ambos são gêneros que, ao mesmo tempo, contam com um público bem grande e que vai além do seu público-alvo (por exemplo, o yaoi é consumido especialmente por garotas heterossexuais), mas também enfrentam muito preconceito. Hoje vamos explicar um pouco mais sobre ambos, suas origens e apresentar algumas obras populares.
O que são yaoi e yuri?
Ambos são subgêneros do mangá que se referem a obras com foco em relacionamentos homoafetivos. Para facilitar o entendimento, abordaremos cada um deles separadamente.
Yaoi
O termo “yaoi” surgiu como uma abreviação de uma denominação pejorativa que era utilizada no início para se referir a obras com relacionamentos entre dois homens. Essa abreviação representava a expressão “yamanashi, ochinashi, iminashi” (que, traduzida, significa “sem clímax, sem razão, sem sentido”) e era utilizado por críticos para descrever mangás que enfatizavam tanto o aspecto sexual, que acabavam negligenciando o desenvolvimento dos personagens e da história em si.
Com o tempo e o desenvolvimento do gênero, o termo passou a ser associado a obras com maior apelo sexual. Buscando uma terminologia mais comercialmente aceitável, desde os anos 90 utiliza-se a expressão “boys love” ou mesmo “BL” para se referir a histórias com essa temática, mas com foco no romance.
Yuri
A palavra “yuri” significa literalmente “lírio” e é um nome bastante comum no Japão. Acredita-se que o uso desse termo para se referir a histórias com romance entre duas mulheres tenha surgido em 1976.
Bungaku Itō, editor da revista Barazoku (Tribo das Rosas), que era voltada principalmente para homens gays, foi o autor que utilizou o termo “yurizoku” (Tribo dos Lírios) em referência às leitoras. Ele o empregou no título de uma coluna de cartas chamada “Yurizoku no Heya” (Quarto da Tribo dos Lírios).
Capa de uma das edições de Barazoku, que indiretamente criou o termo yuri
Posteriormente, o “zoku” (tribo) foi eliminado e autoras independentes passaram a usar o termo para definir o gênero. Contudo, ao contrário do yaoi, ele não tem a conotação unicamente pornográfica, podendo se referir a qualquer obra com romance lésbico. Ainda assim, as editoras também fizeram uma adaptação, criando o termo “Girls Love” ou simplesmente “GL” para designar tais produções.
Origem do yaoi e yuri
Não há um consenso se a origem de ambos foi com através dos mangás shoujo, pois há indícios que já tínhamos obras que abordavam o romance lésbico no começo do século XX. Um exemplo pioneiro é a obra “Yaneura no Nishojo” de Nobuko Yoshiya, que tratava desse tema.
Yaneura no Nishojo: a primeira novel a mostrar romance lésbico, vista como primórdio do yuri
Porém, é importante frisar que as obras como conhecemos hoje têm sim origem direta no shoujo (inclusive falamos sobre esse tema em nosso artigo, que você pode conferir AQUI). Inicialmente, o tema estava dentro das muitas abordagens que as autoras faziam em suas obras, especialmente pelo fato de buscarem quebrar paradigmas presentes na indústria até então.
Estes subgêneros dentro do shoujo ganharam os nomes de “shonen-ai” (yaoi) e “shoujo-ai” (yuri). Apesar de inicialmente serem referências a essas vertentes, até hoje são usados nos dois gêneros para se referir a histórias sem sexo explícito.
Entre as pioneiras do yaoi/shōnen-ai, temos Moto Hagio (também conhecida como a pioneira do “Shōjo moderno”) e Keiko Takemiya. Já no caso do yuri/shoujo-ai, temos as mangakás Ryoko Yamagishi e Riyoko Ikeda.
Elas também compartilham a característica comum de terem ganhado espaço através de doujinshi (publicações independentes). Outra similaridade é que suas obras eram frequentemente paródias de outras obras mais conhecidas, explorando possíveis relacionamentos entre personagens que não existiam nas originais, muitas vezes com desfechos sexuais.
Yaoi e yuri como conhecemos hoje
Como dissemos, a aceitação dessas obras não foi imediata, com as obras sendo vistas de forma depreciativa por muitos. No entanto, com o tempo e o surgimento de histórias originais com enredos mais bem trabalhados e complexos, a aceitação de ambos os gêneros foi aumentando.
Os primeiros mangás yaoi foram: “November Gymnasium”, “Tooma no Shinzou” e “Kazeto Ki no Uta”, sendo este último um grande sucesso, mesmo com cenas mais explícitas. Quanto ao gênero yuri, um exemplo é “Shiroi Heya no Futari”, de Yamagishi Ryouko.
Kazeto Ki no Uta – um dos primeiros yaoi
ShiroiHeya no Futari – primeiro mangá yuri
No Japão, é bastante comum ter revistas dedicadas a um grupo específico (como a Shonen Jump, que, como o nome diz, traz diversas histórias para este público-alvo). No caso do yaoi, a primeira revista foi a “June”, lançada em 1978. Já a primeira revista dedicada ao yuri demorou muito mais tempo para surgir, sendo lançada somente em 2003 com o nome de “Yuri Shimai”. Um ano depois, a revista foi reformulada e passou a se chamar “Comic Yuri Hime”.
Características das obras
As histórias presentes nas obras yaoi e yuri tem algumas características similares. Por exemplo:
Casais
São geralmente formados por personagens com características ativas, passivas ou versáteis. Importante dizer que isso não se refere necessariamente à preferência sexual, mas sim à postura em relação ao parceiro.
No caso do yaoi, os termos usados são:
- Seme – significa “ataque” e é usado para o ativo;
- Uke – significa “recebe” e é usado para o passivo;
- Riba – é uma abreviação de “reversível” e se refere a um personagem versátil.
Já para o yuri, nós temos:
- Tachi – equivale ao “seme” e se refere a mulher que toma a iniciativa;
- Neko – equivale ao “uke” e se refere a que tem uma atitude mais passiva;
- Takochi, Teko, Nekotachi – todos os termos podem ser usados para aquela personagem versátil.
Personagens
Yaoi e yuri também apresentam similaridades quando falamos das características dos personagens, embora de forma oposta. No caso do yaoi, é comum termos um personagem com traços mais masculinos e outro mais andrógeno, com traços delicados.
Da mesma forma, no Yuri, encontramos mulheres com traços andróginos, mas com características mais masculinas (incluindo nas roupas), e outra personagem com características femininas marcantes. Entretanto, é preciso dizer que isso não é um padrão e nem mesmo um indicativo de qual posição eles terão na relação. Ainda assim, sua presença é bastante comum em ambas as obras.
Gradação de intensidade
Como explicamos antes, as obras podem apresentar um romance mais leve ou mais picante. Apesar de a indústria hoje ter padronizado os termos “boys love” e “girls love” para o yaoi e yuri, os próprios fãs criaram uma definição de “intensidade romântica” das obras. Elas se dividem em duas, em ambos os casos:
- Shonen-ai e shoujo-ai – ambos são para aquelas histórias mais leves e sem conteúdo explícito;
- Yaoi e yuri – são para as histórias que tem um conteúdo sexualmente explícito.
Atualmente, os próprios fãs já adotam o “BL” e o “GL” para falar das obras de maneira global, mas até pelas preferências (nem todos gostam de conteúdo explícito), convencionou-se criar essas divisões para facilitar o encontro da obra favorita.
Obras famosas de yaoi e yuri
Uma observação importante em relação ao gênero yuri é que ao contrário do yaoi, que é mais direcionado e possui obras especificamente voltadas para o “boys love”, o yuri é muito mais abrangente e está presente em diversas obras que não são necessariamente do gênero. No entanto, essas inserções são mais sutis e muitas vezes ficam subentendidas ou envolvem sentimentos não correspondidos.
Alguns exemplos de yuri dentro de outras obras são: Sailor Urano e Netuno em “Sailor Moon” (indicando um casal), Sakura e Tomoyo em “Sakura Card Captor” (com um amor não correspondido da Tomoyo). Esses são apenas dois exemplos famosos. Também podemos encontrar indícios desse tipo de relação em obras como “Love Hina”, “Claymore”, “Madoka Magica”, entre outras.
Sakura e Tomoyo (Sakura Card Captor), um exemplo sutil de yuri
Dito isso, vamos a primeira obra yaoi explícita a chegar no Brasil:
Blood Honey (lançado no Brasil em 2011)
Trata-se de um mangá de volume único lançado em 2008. A história gira em torno do vampiro Yuki, que trabalha em um hospital e se alimenta do sangue das seringas dos pacientes. Um dia, ele acaba provando o sangue de um de seus pacientes frequentes, o professor de cursinho Mayuzumi, e fica imediatamente encantado com o sangue do rapaz.
A partir desse momento, Yuki começa a planejar uma forma de ter o professor sempre por perto para poder se alimentar. Entre cenas cômicas e bastante fanservice, este mangá foi o primeiro a abordar o yaoi de forma mais explícita. Diferentemente de obras anteriores, como “Loveless” e “Gravitation”, que tratavam do tema de maneira mais sutil.
Agora, vamos falar do primeiro mangá yuri a chegar no Brasil:
Sunset Orange (lançado no Brasil em 2017)
O mangá foi lançado originalmente em 2010, mas chegou aqui apenas sete anos depois. Um lançamento tão recente mostra também o quanto demorou para o país efetivamente apostar nessa demografia.
A história acompanha Kanae, uma bela aluna que se mudou de Tóquio e, ao se apresentar para a classe, conquista imediatamente o afeto de Chizuru. Chizuru fica completamente encantada por Kanae e sua beleza, fazendo com que sua mente fique cada vez mais preenchida pela presença de sua colega de classe.
Quando ela entra para o círculo de amizade de Chizuru, esse afeto começa a crescer continuamente. Será que irá nascer um sentimento além da amizade? Ou o desejo de Chizuru por Kanae dará lugar a coisas ruins?
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Autoria: Departamento de Pesquisa e Cultura ABRA