Rivalidades entre grandes gênios das artes foi algo recorrente ao longo da história. Até por se tratar, normalmente, de pessoas com a personalidade forte e às vezes egocêntricas, não era raro que eles disputassem os holofotes, tentando ser reconhecidos como o maior de sua época. E foi justamente isso que ocorreu com Picasso e Matisse.
Diferente da história que trouxemos anteriormente de Da Vinci e Michelangelo, os dois se encontraram diversas vezes e viveram uma relação que transitava entre o amor e inimizade (pois não chegava a ser exatamente ódio).
A amizade entre Picasso e Matisse
O início da história deles foi no ano de 1906, quando Gertrude Stein levou Matisse para visitar Picasso em Montmartre em 1906, onde ele vivia com sua amante da época. Desde o início a personalidade forte de ambos falou mais alto, com Matisse dizendo que nunca tinha ouvido falar de Picasso. Ele, por sua vez, dizia que não sabia quem era Matisse.
Contudo, a verdade é que mesmo antes de se verem pessoalmente, já conheciam o trabalho um do outro. Este primeiro encontro rendeu muitos outros, inclusive com a visita de um ao ateliê do outro se tornar algo comum.
Os encontros também passaram a ocorrer em saraus promovidos pela própria Gertrude, que era escritora e poetisa, junto de seu irmão Leo. E aqui temos mais um momento peculiar da amizade dos dois artistas, pois enquanto Picasso se irritava por não conseguir debater em francês, Matisse aproveitava os eventos para tentar impressionar ao máximo os presentes com seu conhecimento.
Os opostos se atraem? Uma verdade quando falamos de Picasso e Matisse
As visitas ao ateliê um do outro se tornaram frequentes ao ponto de eles discutirem um sobre a obra do outro, sempre em um tom bastante crítico, mas, ao mesmo tempo, respeitoso. Para entendermos o nível do conhecimento que eles tinham um sobre o outro, basta ver a declaração de Picasso sobre a rivalidade entre ambos:
“Jamais alguém olhou tão bem para a pintura de Matisse, como eu; e ninguém olhou para a minha pintura melhor do que ele”.
Só que a diferença entre eles ia muito além da questão artística, pois seus próprios estilos de vida e de serem destacavam isso.
Por exemplo: enquanto Picasso vestia roupas despojadas, como blusas justas e listradas para se mostrar como “o novo”, Matisse como resposta passou a ser mais conservador do que nunca com roupas clássicas, como tweeds bem cortados, exaltando o clássico. Vale dizer que a diferença de 12 anos entre ambos também impactava nisso.
Essa estranha disputa era justamente para saber quem mais chamava a atenção de Gertrude e Leo em seus encontros, assim como quem conquistava mais seguidores. Inclusive, a poetisa também alimentava a rivalidade entre os dois, assim como quem os seguia.
Só que a resposta vinha através da arte, com um tentando criar algo ainda mais impressionante que o outro.
A rivalidade a partir de visões distintas da arte
Primeiramente, é interessante observar que eles tinham como inspiração um artista em comum: Paul Cézanne. Contudo, cada um tinha uma forma diferente de ver a arte, como eles mesmos falaram ao analisar um a obra do outro:
“Picasso quebra as formas, enquanto eu sou o servente delas”, Dizia Matisse sobre Picasso,
“Eu acrescento, subtraio, desloco, enquanto Matisse deixa o traço vir naturalmente e a se compor sozinho e, assim, refazer o modelo”, falava Picasso sobre Matisse.
Em resumo, podemos dizer que a visão de arte de cada um era:
- Henri Matisse – buscava harmonia, cores vibrantes e expressão emocional em suas obras. Ele acreditava que a arte deveria proporcionar tranquilidade e beleza;
- Pablo Picasso – sendo um inovador, ele desafiou convenções, experimentou técnicas diversas e redefiniu a arte. Ele até possui uma frase impactante sobre sua visão artística: “a arte é a mentira que nos permite conhecer a verdade.”
A rivalidade entre ambos também se dava pela admiração que um tinha pela técnica do outro. Enquanto Picasso invejava a capacidade de Matisse com a mistura de cores, o artista francês invejava a habilidade do espanhol de desconstruir e reinventar a representação visual.
Essa qualidade de Matisse com cores foi algo que Picasso sempre fez questão de expressar publicamente.
Picasso e Matisse: a disputa sobre quem fazia a obra mais impressionante
A rivalidade entre os dois começou pouco tempo depois de se conhecerem. Matisse, em 1906, criou a revolucionária obra chamada “Le Bonheur de Vivre”. Um ano depois, Picasso veio com a obra que é o marco do início do cubismo, “Les Demoiselles d’Avignon”.
Outro caso famoso é o que envolveu as obras “Peixe Dourado” (1914) de Matisse e “O Arlequim”, (1915) de Picasso. Só que essa rivalidade foi além das pinturas, envolvendo o teatro e até mesmo igrejas.
A vitória de Picasso no Ballets Russes
Na época, quase todos os grandes artistas estavam de alguma forma envolvidos nas produções do Ballets Russes, uma companhia de dança itinerante liderada por Sergei Diaghilev. Picasso e Matisse não foram exceções, mas o envolvimento deles tiveram resultados totalmente diferentes.
Picasso começou primeiro, em 1917, quando fez o design para o balé de um ato Parade, que era um conto sobre artistas de circo tentando atrair a atenção do público. Depois disso, ele ainda trabalhou na criação dos figurinos de seis outras produções nos sete anos seguintes, incluindo Le Tricorne, que foi inspirado pela cultura espanhola. Foi nessa época que conheceu Olga Khokhlova, com quem se casou em 1918.
Já Matisse trabalhou uma única vez com o Ballet Russes. Em Song of the Nightingale, ele criou túnicas longas decoradas com bordados e pedaços de tecido colados para os dançarinos.
Contudo, ele não considerou a mobilidade, então mesmo com designs impressionantes, o resultado era desastroso quando se mexiam. Desesperado com o resultado, o pintor pediu para que o personagem principal ficasse estático, mas isso não agradou ao público, fazendo desta uma das menos bem-sucedidas produções do Bellets Russes.
Matisse e a obra na igreja
Uma das obras mais famosas de Henri Matisse é o interior da Capela do Rosário em Vence, na Riviera Francesa. Este projeto incomum, pois ele não era católico praticante, o encontrou por meio de sua ex-enfermeira Monique Bourgeois, que se juntou a um convento dominicano.
E foi ela quem ofereceu a Matisse para decorar a nova capela construída para a escola de meninas operada pelo convento, que ficou feliz em ajudar. A pequena capela em forma de L era cheia de vitrais decorados com ornamentos abstratos e murais de mosaico.
Picasso ao saber disso, sendo um ateu radical, ficou indignado com essa decisão. Ele alegou que Matisse, como um descrente, não deveria ter concordado em fazer o projeto. Em troca, Picasso projetou um mercado destinado a ser usado por todos os cidadãos.
Ironicamente, mesmo com tal crítica, isso não impediu o artista espanhol de projetar sua própria capela em Vallauris, no sudeste da França. E lá temos o mural Guerra e Paz, uma das maiores obras já criadas por Picasso.
Afinal, Picasso e Matisse eram amigos, rivais ou ambos?
Talvez a melhor resposta seja os dois. Apesar de trocarem farpas publicamente, claramente havia uma relação muito forte entre ambos, seja de respeito ou mesmo de admiração. Tanto que eles seguiram se encontrando, mesmo depois do início dessa “inimizade”.
Talvez o melhor exemplo disso seja o fato que entre 1947 e 54 (ano que Matisse morreu) eles moravam em regiões muito próximas na França, o que permitia visitas frequentes, especialmente até 49.
E quando já estava muito doente, Matisse reclamava que Picasso não o visitava com frequência. Quando ele faleceu, o espanhol não foi em seu funeral, o que muitos viram como desrespeito, mas outros como se ele preferisse ignorar que seu rival (e amigo) não estava mais vivo.
Só que a melhor prova de como ele havia sentido a perda, foi que nos anos seguintes à morte de Matisse, Picasso pintou quatorze pinturas de mulheres argelinas, ou pelo menos sua ideia de mulheres argelinas.
O espanhol disse a seus amigos que Matisse deixou suas odaliscas como um legado para desenvolver ainda mais. A série não foi apenas um aceno à arte de Matisse, mas à pintura favorita de ambos os artistas, “Mulheres de Argel”, de Eugène Delacroix. A tristeza e a solidão de Picasso encontraram sua expressão em uma colaboração imaginária, o que infelizmente nunca aconteceu durante a vida de Matisse.
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Autoria: Departamento de Pesquisa e Cultura ABRA