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O mundo das artes geralmente traz diversos conflitos, que normalmente surgem por uma questão de ego ou inveja. Contudo, talvez poucos tenham envolvido tanto ódio e causado tanto prejuízo aos artistas como o de Caravaggio e Baglione.

Vamos entender um pouco melhor como ele se iniciou e como acabou prejudicando o nome de ambos ao longo da história.

Caravaggio e Baglione: um conflito que surgiu por uma admiração 

Primeiramente, é importante entender o contexto de como tudo começou. Giovanni Baglione, inicialmente, pintava seguindo um estilo maneirista tardio influenciado por Giuseppe Cesari.

Durante este período, Caravaggio chegou a trabalhar no ateliê do mesmo Cesari, mas o deixou para desenvolver seu próprio estilo, pois ele também seguia o maneirismo tardio.

Na virada do século, ele começou a se destacar por conta da revolução que trouxe ao barroco, especialmente pela nova abordagem que deu ao uso do claro-escuro, que ficou posteriormente conhecido como “tenebrismo”.

Além desse uso dramático do claro-escuro, ele também trazia um grande realismo em suas obras, destacando inclusive imperfeições humanas, algo controverso para a época.

Esse sucesso lhe rendeu muitos seguidores, conhecidos como “Caravaggisti”, entre os quais estava Baglione. Ou seja, este passou a pintar inspirado por Caravaggio, adotando grande parte de seu estilo, o que viria a ser o estopim do confronto entre ambos.

O início do confronto entre Caravaggio e Baglione: a acusação de plágio 

Entre 1601 e 1602, Caravaggio pintou uma de suas grandes obras-primas: “O Amor Vence Tudo” (Amor Vincit Omnia). Como outras obras do mesmo período, ela traz um grande realismo para a figura do cupido, ao contrário do que era normal para a época, que era tê-lo idealizado. O título da pintura é uma referência a um verso das Éclogas: “Omnia Vincit Amor et nos cedamus amori” (“O amor vence tudo, vamos todos nos render ao amor!”).

A obra de Caravaggio

A obra simboliza o poder avassalador do amor, capaz de dominar todas as coisas terrenas e espirituais. No quadro, podemos ver, além do cupido com asas escuras de águia, diversos objetos como: violino e alaúde, armadura, coroa, esquadro e compasso, caneta e manuscrito e folhas de louro.

Estes objetos são apontados como sendo uma referência codificada para as conquistas do marquês Vincenzo Giustiniani, aristocrata italiano e um dos principais patrocinadores de Caravaggio.

Este nome é importante porque, ainda em 1602, o irmão de Vincenzo, Benedetto Giustiniani, pediu para Baglione criar uma obra, e este se valeu da obra de Caravaggio para criar a sua.

Amor sagrado frente ao Amor profano: a obra da discórdia 

Curiosamente, Baglione criou duas obras, mas com diferenças entre elas, sendo talvez a mais notável o fato de que Eros está com uma armadura na primeira e a figura do diabo está com o rosto para trás. A explicação para isso é que ele o fez seguindo as críticas de Gentileschi sobre sua primeira criação.

Primeira versão da obra de Baglione

A segunda obra (a mais famosa) traz o mesmo Eros com uma armadura menor, tentando matar o que se acredita ser Anteros (que aqui representa o amor “profano”). Além disso, temos a figura do diabo com orelhas de fauno olhando para o observador.

A segunda versão, a mais famosa

Acredita-se que se esses dois amores entrassem em acordo, teríamos o chamado “amor perfeito”. Na obra, podemos encontrar diversas referências ao estilo de Caravaggio, inclusive o tenebrismo. Contudo, Baglione buscou manter um pouco de seu estilo maneirista, tentando trazer sua identidade à obra.

Essa obra desagradou profundamente Caravaggio, que o acusou de plágio. E foi este o início do conflito que prejudicou muito a imagem dos dois.

Caravaggio e Baglione: a briga em que os dois perderam 

Caravaggio, junto de seus seguidores, passou a difamar publicamente Baglione, inclusive com poemas extremamente ofensivos e com palavras de baixo calão.

O estrago para a imagem de Baglione fez com que ele processasse Caravaggio por difamação. Ainda em 1603, ocorreu o julgamento, em que Caravaggio manteve tudo que disse e ainda trouxe uma afirmação que prejudicou muito a carreira do pintor:

 “Não conheço nenhum pintor que pense que Giovanni Baglione é um bom pintor.”  

O julgamento seguiu até 1604, e Caravaggio foi condenado a duas semanas de prisão, mas não se sabe se ele chegou a cumprir integralmente esta pena.

Ainda assim, Baglione demorou a conseguir recuperar sua imagem depois do estrago causado por seus difamadores. Contudo, ele também se vingaria de Caravaggio, especialmente depois de sua morte.

A morte de Caravaggio e a biografia escrita por Baglione 

A vida de Caravaggio sempre foi turbulenta. Em 1606, ele foi condenado à morte por assassinato, mas conseguiu fugir para Nápoles. Porém, em 1608, foi preso em Malta. Ele morreu muito jovem, em 1610, por circunstâncias desconhecidas. Apesar da alegação de febre, alguns acreditam que ele foi assassinado.

Baglione, além de pintor, ficou famoso principalmente pela enciclopédia de artistas que trabalharam em Roma. Nela, ele próprio escreveu sobre Caravaggio, dedicando muitas passagens ao caráter do homem e em quantidade bem menor para a importância de suas obras.

A forma como ele o retratou impactou por muito tempo a imagem que o grande público tinha de Caravaggio, mostrando que, no fim das contas, o legado de ambos para a pintura saiu muito prejudicado por conta desta briga.

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Autoria: Departamento de Pesquisa e Cultura ABRA

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