Perdemos em maio a rainha do Rock, Rita Lee, que não só deixou um legado musical impactante, mas também marcou significativamente o mundo da moda. Sua importância transcende o universo musical, especialmente considerando o contexto adverso da ditadura militar, conhecido como anos de chumbo.

Rita Lee e a sua visão sobre a moda 

Antes de tudo, é interessante observar a perspectiva da cantora em relação às roupas que escolhia usar. Segundo uma entrevista dada por Beto Lee, filho de Rita Lee, ao Estado de S. Paulo, em 2000, a cantora acreditava que o palco era um local sagrado. Sendo assim, não se podia simplesmente vestir algo usado no dia a dia.

Dessa forma, ela sempre buscava algo que tornasse sua presença no palco marcante. É importante lembrar que, naquela época, as roupas eram muito mais conservadoras, tradicionais e até “caretas”, considerando a visão de algumas pessoas. 

Portanto, era um cenário perfeito para alguém que buscava quebrar paradigmas e chocar uma sociedade na qual as mulheres ainda não possuíam plena liberdade sobre seus corpos. Contudo, as vestimentas da cantora não se limitavam apenas a serem ousadas, mas sim a causar impacto em quem as via.

Inclusive, a cor de seus cabelos também fazia parte desse visual transgressor, pois ao contrário do que muitos imaginam, seu cabelo era naturalmente castanho-claro e não ruivo. Inicialmente, ela o deixava naquela cor tingindo de modo caseiro, usando chá de camomila, cascas de cebola, lascas de parafina e água oxigenada. Somente em 1974 é que ela adotou o icônico vermelho vivo.

As inspirações para construir os visuais

Rita Lee contou com diversas inspirações ao longo de sua carreira, tanto em seu estilo visual quanto musical. Sua versatilidade como cantora, transitando do rock à bossa nova, reflete nas influências musicais que a acompanharam. Entre elas, destacam-se Elvis Presley, Maysa, João Gilberto e os Beatles.

No entanto, em determinado período de sua trajetória, seu visual trazia muito mais a cara do movimento ao qual ela estava integrada: o tropicalismo. Enquanto fazia parte do grupo “Os Mutantes”, Rita Lee era responsável por criar tanto seus visuais, quanto dos outros integrantes, Sérgio e Arnaldo. Nessa fase, o conforto e a autenticidade eram prioridades em seus figurinos.

Posteriormente, no grupo “Tutti-Frutti”, Rita Lee adotou uma postura crítica e de protesto, fruto do endurecimento da ditadura no Brasil. O interessante era observar essa mudança “camaleônica” no seu estilo, que se deslocava do visual hippie (lembrando muito o grupo Fleetwood Mac) até o estilo Glam, que tinha como ícones Mick Jagger e David Bowie. 

Uma curiosidade interessante é que a consideravam a “David Bowie brasileira” devido à sua capacidade de se reinventar, tal qual o cantor britânico. E era nítida a inspiração de Rita no artista, com visuais que lembravam muito os dele, mas que ao mesmo tempo traziam o toque particular da brasileira.

 Fã de Bowie, ela chegou até a imitar o visual que o artista usou na capa de Alladin Sane.

 

A importância dos óculos no visual de Rita Lee

Um dos traços característicos da artista eram seus óculos redondos e chamativos. Porém, seu uso não era apenas uma questão de estilo, mas sim uma necessidade devido às condições de Rita, que sofria de fotofobia, hipermetropia e astigmatismo. O interessante é que ela aproveitou a situação para transformar esse elemento em um ponto marcante do seu visual, complementando com a icônica franjinha reta.

Essa característica singular rendeu até uma coleção de óculos lançada em 2015 pela marca brasileira Chilli Beans, em homenagem à artista. Segundo Caito Maia, criador da marca, Rita Lee esteve envolvida em todo o processo do projeto, que foi um grande sucesso de vendas.

Visuais históricos de Rita Lee

Vamos relembrar alguns dos visuais mais marcantes de Rita Lee durante sua carreira:

1 – O vestido de noiva

Em uma ocasião, Rita Lee esteve TV Globo e presenciou a gravação de uma cena da novela “O Sheik de Agadir” (1966), na qual a atriz Leila Diniz estava vestida de noiva. Ambas conversaram e se deram muito bem, a ponto da atriz oferecer o vestido de noiva do figurino emprestado.

A cantora decidiu usar o vestido no Festival Internacional da Canção e posteriormente na capa do segundo álbum dos Mutantes, lançado em 1969. Esse gesto causou impacto significativo na trajetória de Rita Lee.

2 – Rita Lee presidiária

Em 1976, quando Rita Lee estava grávida de três meses de seu primeiro filho, Beto Lee, ela foi presa após supostas denúncias sobre uso de drogas durante shows. Porém, por conta da gravidez, ela já havia interrompido o uso de substâncias ilícitas. Após ser solta, ao fazer seu primeiro show, ela surpreendeu a todos ao se vestir como presidiária, passando em frente aos policiais que a vigiavam em prisão domiciliar. Essa atitude foi um protesto contra sua prisão arbitrária.

3 – O macacão da capa de “Lança Perfume”

Este foi um dos visuais que contou com uma ajuda externa. Trata-se de um macacão branco drapeado usado pela artista na capa do álbum “Lança Perfume”, de 1980. A peça era da estilista norte-americana Norma Kamali a peça se tornou tão aclamada que até Elis Regina se interessou em ter uma.

4 – Visual de bruxa

 Rita Lee em uma das muitas vezes que se vestiu de bruxa.

Em uma sociedade conservadora, onde artistas mulheres eram rotuladas como prostitutas, Rita Lee encontrava uma maneira ousada de desafiar esses preconceitos.

Sua escolha favorita era de se vestir de bruxa, com direito a chapéu pontudo e tudo mais. Com esse visual provocativo, ela encorajava as mulheres a enfrentarem a repressão imposta pelas questões religiosas e pelo patriarcado da época.

Bônus – os muitos visuais pensados para empoderar

Neste último ponto, não podemos destacar um visual apenas, pois foram diversos, todos com a intenção de dialogar com as temáticas presentes nas músicas da cantora. Essa variedade de looks era uma forma pela qual ela buscava incentivar outras mulheres a se expressarem, tanto por meio das roupas como por atitudes.

Além das letras que abordavam a sexualidade feminina, Rita Lee quebrava tabus ao se vestir com roupas masculinas e com outras extremamente ousadas, como o macacão que tinha apenas estrelas para cobrir seu corpo. Ela também incorporava acessórios que até então não eram comuns para mulheres, como coturnos, roupas brilhantes e coloridas, entre outros.

 O famoso macacão estrelado de Rita Lee.

Todo esse conjunto de expressões visuais serviu especialmente para inspirar muitas mulheres a se sentirem livres para serem aquilo que quisessem, exatamente como Rita Lee Fez ao longo da vida.

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Autoria: Departamento de Pesquisa e Cultura ABRA